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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Festa da Lavadeira ameaçada pelo poder econômico

Por Edilson Silva

A Festa da Lavadeira é uma manifestação popular que já conta 25 anos. Acontece sempre no 1° de Maio, na praia do Paiva, município do Cabo de Santo Agostinho. Nestes 25 anos que estão se completando, a festa ganhou contornos e conteúdos fortes. Começou como uma festa em torno da escultura de uma lavadeira, que alguns davam estatuto de entidade sagrada, e cresceu em importância religiosa, artística e cultural, ponto forte de identidade da cultura popular afro-descendente e regional no nordeste, pois congrega as mais variadas expressões desta cultura em seus formatos originais.

Assim, a Festa da Lavadeira cresceu também enquanto universo de resistência cultural, não se permitindo aproximar-se da indústria do entretenimento que tudo quer comprar e transformar em mero negócio. A força da resistência da cultura popular “de raiz”, que no Brasil o povo mistura seriamente com o sagrado, fez com que a festa também crescesse em importância para o turismo. Todos os anos, dezenas de milhares de pessoas, de várias partes do país e até do exterior, programam-se para participar da festa. Algumas edições já bateram na casa das 80 mil pessoas.

Em sua história, e por sua história, a Festa da Lavadeira já recebeu por duas vezes do Premio IPHAN de melhor projeto de divulgação da cultura popular no nordeste, em 1998 e 2008. Em 2007, recebeu o “Prêmio Culturas Populares” do Ministério da Cultura. É, também por força de Lei Estadual, patrimônio público cultural do nosso estado e evento que consta da rota turística de Pernambuco. Lei Municipal do Cabo de Santo Agostinho também ampara a Festa da Lavadeira como patrimônio público.

Pois é esta manifestação popular, com toda esta simbologia cultural, com toda esta materialidade e formalidade legal, que a construtora Odebrecht quer acabar. Esta empresa está construindo um condomínio fechado de luxo na praia do Paiva, um empreendimento milionário, que já conta com pedágios para segregar o acesso público. Segundo a Odebrecht, a festa atrapalha seus negócios.

Para levar adiante seu objetivo, a Odebrecht, em 2010, colocou cercas com arames farpados na área do evento. A organização da festa denunciou a colocação de armadilhas com paus e pregos na mata que dá acesso à manifestação, assim como a colocação de cacos de vidro no tradicional banho de lama que acontece na área da festa (veja fotos no blog da Lavadeira: http://festadalavadeira.blogspot.com/2011/04/resistencia-da-festa-da-lavadeira-e.html ). Em 2010, a festa só aconteceu por força de um termo de ajuste de conduta feito no Ministério Público.

Mais um dado vergonhoso para a Construtora Odebrecht neste caso é que quando esta empresa quis aprovar seu projeto milionário no Paiva, em seu site afirmava que iria respeitar as manifestações culturais da região e o desenvolvimento sustentável das comunidades vizinhas. Exatamente por isto a área onde acontece a Festa da Lavadeira foi garantida no projeto Reserva do Paiva como área de uso comum, área pública, para permitir a manutenção e desenvolvimento da manifestação popular. Hoje se percebe que tudo era discurso falso para dar um verniz social para a rapina da Odebrecht, que tenta hoje, com seu poder econômico e a força bruta de seu aparato privado de “segurança”, acabar com aquela área pública.

Agora em 2011, além das cercas que foram recolocadas na área da Festa, a Odebrecht está construindo um paredão com tapumes em folhas de zinco, com 2 metros de altura, e uma cerca de tela, também com uns 2 metros de altura, que chegam até a areia da praia, dividindo a praia de Itapuama da praia do Paiva. Um isolamento visual e restrições ao acesso inaceitáveis.

No último dia 13 de abril, a organização da Festa da Lavadeira, acompanhada de várias entidades, como o GAJOP, MNU, MNDH e PSOL, conseguiram realizar uma audiência convocada pela Promotoria da Cidadania do Cabo de Santo Agostinho. Estavam presentes a prefeitura do Cabo, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Polícia Civil. A Odebrecht foi convidada, mas não se fez presente.

A promotoria queria saber como pode uma atividade tão importante e tão consolidada como a Festa da Lavadeira estar ameaçada. Fomos todos, inclusive a Promotora Janaína do Sacramento Bezerra, à praia do Paiva e foi constatado, in loco, todos os absurdos denunciados. A promotoria sugeriu à prefeitura que em oito dias retirasse todos os entraves à realização da Festa.

A prefeitura do Cabo, até a tarde de domingo, 17/04, não havia removido uma única estaca irregular na área. Mais preocupante: o financiamento da Festa da Lavadeira por parte do governo do Estado foi comprometido com um drástico corte. Ou seja, há indícios de que o poder econômico não sabe apenas colocar cercas, tapumes, paus, pregos e vidros no caminho da Festa da Lavadeira. Se conseguir mexer os “pauzinhos” dentro do Palácio do Governo – o que seria lamentável e vergonhoso -, será mais um motivo para o povo ir à festa e fazer valer sua tradição.

Presidente do PSOL-PE

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