Por Ricardo Antunes, da Folha de São Paulo de 23/05
Desde meados dos anos 1970, o Oriente
vem dando "lições" de capitalismo para o Ocidente. Do toyotismo, por
exemplo, muito já se falou, com seu ideário conhecido: "kanban",
"just in time", "kaizen", células de produção etc.
Mas é muito curioso: os seus manuais
apologéticos nunca abriram espaço para "karoshi", que significa a
morte por excesso de trabalho, ou para "karojisatsu", suicídio que é
decorrência da intensidade e do caráter extenuante do trabalho - em 2010, foram
mais de 30 mil casos na chamada terra do sol nascente.
Lá também encontramos jovens
decasséguis que migram em busca de trabalho nas cidades e dormem em cápsulas de
vidro -algo que denominei "operários encapsulados".
Mais recentemente, em Tóquio,
trabalhadores terceirizados contratados diariamente
("hiyatoi-arbeit") procuram refúgio noturno em cibercafés. Assim,
ficam conectados durante a madrugada, aptos para serem convocados para um novo
trabalho eventual na manhã seguinte. Nesses lugares, conseguem também descansar
um pouco, pois muitos são migrantes que não dispõem nem sequer de casas ou
dormitórios.
Mas há ainda outro exemplo emblemático
que vem do Oriente.
É na China atual que as engrenagens do
capitalismo das transnacionais, em afinada simbiose com o Estado, levaram a
superexploração da classe trabalhadora ao limite.
O caso da Foxconn é elucidativo.
Fabrica do setor de informática e das tecnologias de comunicação, é exemplo de
ECM (electronic contract manufacturing), empresa terceirizada responsável pela
montagem de produtos para a Apple, Nokia, HP e várias outras transnacionais.
Em sua unidade de Longhua (província de
Shenzhen), onde são fabricados os iPhone, desde 2010 ocorrem suicídios de
jovens trabalhadores, em sua maioria evidenciando sua intensa exploração, os
salários degradantes e o isolamento ao qual estão submetidos. Habitam quartos
minúsculos e superlotados -que, aliás, têm telas nas janelas, para evitar mais
suicídios.
Produzem aparelhos aos milhões e, em
geral, nem imaginam como funciona a mercadoria produzida, levando o fetichismo
maquínico à forma mais fantasmagórica.
Esse é o padrão chinês de exploração do
trabalho. Ele vem se configurando como uma tendência agressiva em escala
global, como as condições de trabalho na Índia mostram.
Segundo a organização Sacom (de
"Students and Scholars Against Corporate Misbehaviour", algo como
"Estudantes e Acadêmicos contra o Comportamento Impróprio das
Corporações"), os operários da Foxconn, centenas de milhares, trabalhavam
em média 12 horas por dia, recebendo com salário mensal básico de 900 yuans
(menos de US$ 150 ou R$ 300), que poderiam dobrar em função das horas extras
que realizavam.
Disposto a investir no Brasil, o
taiwanês Terry Gou, presidente da Foxconn, lascou seu comentário, afirmando que
brasileiros "não trabalham tanto, pois estão num paraíso". E não é
crível que ele desconheça o enorme contingente de trabalho escravo que ainda
existe aqui.
Não é difícil entender porque a China
atual tem as mais altas taxas de greve no mundo. Enquanto a luta de classes
burla a sepultura, o modelo taiwanês ameaça o "paraíso".
RICARDO
ANTUNES, 59, é professor titular de sociologia
na Unicamp. É autor de "O Continente do Labor" (Boitempo) e
"Adeus ao Trabalho?" (Cortez)
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