Por Edilson Silva
Fui
convidado dia desses para um debate num encontro de estudantes liberais
ortodoxos. Estudantes Pela Liberdade, EPL, discípulos de Hayek, Mises e cia. O
EPL se diz apartidário, trabalha conceitos como anarco-capitalismo, mas fora
deste espaço tentam legalizar o novo partido político “Libertários”, que conta
com o apoio entusiasmado do cantor Lobão. As interconexões levam-nos ao filósofo
Olavo de Carvalho, dos maiores ícones do pensamento conservador no Brasil.
Apesar
disso e por conta disso também, aceitamos o convite. Muitos jovens estariam
presentes e, de fato, ao chegar lá, me surpreendi com algumas presenças, como artistas
bem populares por aqui. O tema foi educação e liberdade, mas como já estava
óbvio, as polêmicas entre socialistas e liberais não se limitariam ao tema
focal proposto. Fomos além. O debate foi bom, com momentos de dureza, mas bastante
respeitoso por parte deles, tanto dos debatedores como dos demais
participantes. Deixo aqui minha impressão.
Os
liberais ortodoxos partem de premissas bastante equivocadas. Talvez a mais
grave seja não aceitar o fato da dinâmica irresistível, cultural, de evolução
do processo civilizatório, tão visível nas gerações e dimensões de direitos que
vão se acumulando ao longo dos séculos. Direitos sociais e difusos, para eles,
são meros penduricalhos desnecessários e que atentam contra o sagrado direito
de “liberdade”. Não à toa em todo o debate não me lembro de ter ouvido uma
única vez da parte deles a palavra democracia. Não à toa eles defendem sim um
estado forte, mas para proteger a propriedade.
Outra
premissa equivocada: o balanço e as conclusões que tiram do século XX. Acreditam
que faltou liberalismo neste século e é exatamente por isto que se explicam os
insucessos econômicos e suas consequências. Não aceitam o principal ensinamento
deste século: o capitalismo tem mesmo um metabolismo central – descoberto
brilhantemente por Marx -, que mesmo tendo sido revolucionário e importantíssimo
num dado momento histórico de superação da condição econômica e cultural anterior,
na medida em que vai funcionando gera cada vez mais “subprodutos” que interagem
politicamente na sociedade, impondo uma dialética luta de classes que impede a
história de acabar. Este metabolismo origina, do ponto de vista econômico, inexoravelmente,
concentração de produção, monopolização, desemprego e, o mais grave, destrói a
própria demanda sem a qual o mercado não consegue alimentar seu processo de
reprodução de capital. Há muito mais matemática que ideologia nisto, e o
inverso é verdadeiro, quando se tenta afirmar a eternidade do capitalismo.
Na
medida em que não aceitam isto, estranham o receituário keynesiano, as leis
anti-truste, por exemplo, que foram e ainda são mecanismos que refletem
exatamente a compreensão correta por parte de gestores de economias de mercado de
que este sistema tem este defeito estrutural. Deriva daí que não explicam de
forma razoável a hegemonia do capital financeiro e seus truques e fraudes sobre
o setor produtivo, que teve seu ápice na crise financeira de 2008, abalando a
economia mundial e que foi considerada mais grave que aquela de 1929.
Deriva
daí também que não aceitam que existam no mundo pessoas sem emprego, sem teto,
sem terra, sem saúde, sem educação, sem cultura, sem território, sem qualidade
de vida, e que estas condições não são necessariamente obra da incompetência
destas pessoas – ou indivíduos como eles preferem -, em atuar ou venderem-se
num mercado, mas sim fruto deste metabolismo que falamos acima, com suas
consequências políticas. Estes indivíduos, que não raro se materializam em
nações, foram excluídos ou já nasceram excluídos do que se chama hoje cidadania.
Eles têm o direito natural de se organizar social e politicamente e disputar
hegemonia na sociedade, inclusive o poder de Estado? Óbvio que sim. E chegando
lá, estão obrigados a manter em funcionamento os mecanismos econômicos e
políticos geradores da exclusão que lhes vitimou? Parece-nos ser bastante
razoável que não. E especificamente em relação a isto não entramos no mérito de
“para onde se vai ao se chegar ao poder”, mas o “porque se vai em busca disto”.
Mas
é óbvio também que os liberais ortodoxos – pelo menos os mais esclarecidos, têm
uma aguçada consciência de classe e sabem que é preciso mesmo caricaturar o
século XX, seus atores e ideologias que tiveram mais protagonismo, desconsiderar
as análises e lutas de outros pensamentos não experimentados neste século, de
forma que reste, por gravidade, o liberalismo radical, sem luvas, como um
paradigma aceitável. É uma postura desonesta intelectualmente, quase infantil.
O
dogma empreendedorismo versus socialismo também foi debatido. Uma grande lição do
século XX é que a única certeza que os socialistas devem afirmar é sua missão
inequívoca na luta anticapitalista, de trabalhar na direção da superação deste
modo de produção no que ele tem de estruturalmente inviável: sua tendência
natural e inevitável à diminuição da taxa média de lucro, com todas as
consequências daí derivadas. Dentro desta moldura deve estar a liberdade de
empreender e também o mais amplo direito às liberdades individuais, políticas, civis,
artísticas, enfim, a mais ampla democracia.
Como
se constrói isto? É algo que os socialistas devem ter a humildade de reconhecer
que está em construção, não existe receita pronta e nem modelo universal, e que,
portanto, não se pode demonizar na realidade concreta propostas de reformas
estruturais neste sistema, enquanto não se apresentam as condições objetivas
para a realização plena de relações sociais de produção socialistas. Está claro
que não se construirá um socialismo duradouro e saudável, também transitório é
verdade, a partir de escombros e nas ruinas do velho capitalismo. Seria cair,
de novo, nas armadilhas então inescapáveis do século XX.
Não
foi tratado tanto disto no debate, mas é fácil ver nos sítios e blogs a
pregação que os “libertários” fazem à unidade de ação entre supostos
anarco-capitalistas e conservadores, para lutar contra o “comunismo” que está
se construindo no Brasil. Se o apelo der certo, estarão juntos aí o Lobão,
Olavo de Carvalho e talvez caberia até o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin. Ou seja, de libertário nada, apenas a exacerbação sem limite algum do mais
puro individualismo liberal burguês.
Presidente do PSOL